Erros ao lidar com a depressão — O peso de uma sombra III

Não sou psiquiatra, psicólogo ou terapeuta. O texto a seguir não é uma recomendação, confirmação e/ou contestação de coisa alguma. Trata-se apenas de algumas exposições pessoais sobre o tema da depressão e outros correlatos. No máximo ofereço algumas sugestões (que não substituem de forma alguma a orientação de um profissional).

Todos temos dias ruins, todos sofremos reveses inesperados, todos cometemos erros. E erros durante um tratamento médico, ainda mais contra um transtorno psiquiátrico/emocional podem ser mais comuns do que você pensa. Principalmente no começo, quando tudo é confuso e enevoado.

Yori, então você cometeu alguns erros no seu tratamento?” – Alguns não, vários. E mesmo hoje em dia continuo cometendo alguns, além de ter algumas recaídas a hábitos destrutivos.

Deixe-me contar para vocês alguns dos meus erros ao lidar com a depressão.


01) Camuflar problemas e demorar a buscar tratamento.

Como vocês devem se lembrar, contei, no primeiro texto dessa série, o episódio onde fui encontrado olhando fixo para uma parede por horas, apático e insone, e como isso desencadeou todo o início do meu tratamento. Mas eu não alcancei esse ponto de um dia para o outro, foi um processo que levou muito tempo, talvez anos, antes de culminar nessa situação.

Problemas de sono, de memória, falta de libido, desinteresse, tristezas crescentes e pessimismo, entre outras coisas, são todos os problemas que foram cuidadosamente regados por muito tempo com doses generosas de descuido e um misto de orgulho e negação (“essas coisas não podem estar acontecendo comigo”). Parece bobagem, não é? Como alguém pode ter consciência de que várias coisas estão erradas e, o mais grave, de que essas mesmas coisas estão piorando a cada dia? Ainda fica arrumando desculpas e justificativas para não pedir ajuda? Pode ser tanta coisa. Pode ser por medo de encarar um problema grave (a própria doença agrava esse fator), a pessoa pode não saber como pedir ajuda (mais comum do que se pensa), por um certo orgulho ou, o mais provável, é que seja uma mistura de várias situações.

Antes que eu me esqueça, não podemos deixar de lado uma outra questão: o receio de pedir ajuda para lidar com problemas que uma grande parte do mundo trata como bobagem e melindre. A antecipação da humilhação em uma mente já desgastada e perturbada não é algo com que se lide facilmente. Acho que vocês podem entender isso.

No fim, por uma soma de motivos, foi tudo uma grande tolice que me custou anos de vida produtiva. Eu demorei demais e, no fim, fui resgatado por outra pessoa.

Sugestão: Busque ajuda o quanto antes, caso sinta que um sentimento de tristeza está demorando muito a passar. Procure alguém para conversar sobre seus problemas de humor, memória, raciocínio e mesmo de libido. Você pode estar em um processo de declínio mental, emocional e sim, físico. Não fique sozinho com esses problemas, a sombra não poupa ninguém e não escolhe vítimas.

02) Achar que o psiquiatra é apenas um “receitador” de remédios.

Pessoalmente, eu me consultei com quatro psiquiatras, contando com a que faço tratamento atualmente.

Há ótimos profissionais, péssimos profissionais e os tais “receitadores” (que no fim das contas também são péssimos). Seja sincero com você mesmo, escolha bem. Sabe aquela história de que para time parado um a zero já é bom resultado? Isso não existe em um acompanhamento psiquiátrico. Não aceite um médico que não se interessa por você e seus problemas. Não aceite um médico que mal olha para você durante as sessões. Não aceite um médico que só lhe faça questionamentos seguindo alguma lista padronizada de perguntas. Eu já fui atendido por “profissionais” desse naipe e eu não recomendo para ninguém; é frustrante… Eu me sentia como se estivesse atrapalhando algum momento de lazer da pessoa! Ridículo.

Um dos erros ao lidar com a depressão é achar que o psiquiatra é apenas um "receitador" de remédios.

O tratamento psiquiátrico é a base de tudo. Seu psiquiatra, provavelmente, será o primeiro profissional que vai ouvi-lo, vai conversar sobre seus problemas e lhe prescreverá o seu primeiro remédio. É o profissional que vai ajudá-lo a dar os primeiros passos e que acompanhará você até o final do processo. Seu médico não é apenas um carimbador de remédios. É necessário ter sintonia e confiança, não acredite que o tratamento trará bons resultados sem que as duas estejam presentes. Não se conforme com o mais ou menos.

Sugestão: Escolha com cuidado, não se omita dessa escolha. Simples assim.

03) Acreditar que apenas a medicação seria o suficiente.

Essa foi a pior das ilusões que tive ao iniciar o tratamento medicamentoso: acreditar que bastaria tomar um comprimido (quem sabe uma única vez) e pronto, todos os meus problemas seriam resolvidos. O mais bizarro é que essa visão era autoimposta. Eu sabia que não seria assim, sabia que estava tentando me enganar, mas não adiantou coisa alguma. O resultado prático foi uma decepção tremenda quando fui informado de que seriam necessárias até três semanas de comprimidos diários para ter alguma melhora observável.

Lidar com a depressão envolve vários fatores e tomar a sua medicação corretamente é apenas um deles. É um dos primeiros passos dessa maratona e não a linha de chegada.

Sugestão: Vai iniciar um tratamento com remédios contra a depressão? Saiba desde já que o processo é longo. Você iniciará com uma pequena dose e a aumentará aos poucos, semana a semana, e  terá que esperar pelo menos duas semanas pelos primeiros sinais de melhora. Desenvolva a sua paciência e a sua disciplina (fácil de falar, difícil pra caramba de fazer, eu sei – mas se eu consegui, você também consegue).

04) Passar dias sem tomar a medicação.

Ah já estou tomando o remédio há x dias/meses, não faz mal ficar alguns dias sem, não é mesmo? Detesto tomar remédios.”

Eu não vou julgar quem fez essa idiotice (ops) porque eu já fiz isso algumas vezes. Seja por algo que a própria medicação esteja causando (é quase certo de que haverá efeitos colaterais por algum tempo até o organismo se adaptar como dores de cabeça e enjoos) ou por algo relativamente bobo (“não aguento mais tomar esse remédio todo dia”). Eu também já fiz isso e me arrependi TODAS AS VEZES.

Não é preciso ser médico para entender: quando você interrompe o tratamento, mesmo que por alguns dias, você está interrompendo o processo de atuação do medicamento e atrasando ainda mais a sua recuperação. Fatalmente terá que reiniciar tudo e haja tempo perdido. Tenha consciência de que faz parte da sua rotina e, se você tem alguém para ajudar a construir e manter esse hábito, não hesite em pedir ajuda. E mesmo para aquelas pessoas que teimam em arrumar desculpas e acabam apelando para o famoso “Mas o remédio tem um gosto horrível/deixa um gosto horrível na minha boca!”, eu tenho uma resposta simples: tome o medicamento com algum suco. Isso costuma resolver o problema. Não é o ideal, mas é melhor do que interromper o tratamento.

Sugestão: NUNCA altere a sua rotina de tomar remédios sem a aprovação do seu médico. Na verdade, isso nem deveria ser uma sugestão, encare como uma regra inquebrável e sua vida será mais fácil.

05) Alterar a dose da medicação por conta própria.

Esse ponto é uma variante do tema anterior que encerra na mesma lição: NUNCA ALTERE a sua rotina de tomar remédios. Nem pra mais, nem pra menos. Eu sou especialista em fazer burradas com remédios, então eu espero que você realmente leve a sério o que eu digo nessa questão.

Um belo dia eu acordei e achei que poderia diminuir a dosagem da medicação. Eu estava há mais ou menos 6 meses sem cometer nenhum erro e achei que já estava bem pra isso (menos comprimidos, oba!). Obviamente o gênio aqui nem cogitou discutir isso com a psiquiatra e de cara já resolveu cortar a dose pela metade. Acho que dá para imaginar o que aconteceu. Em pouco tempo, praticamente todos os sintomas da sombra já tinham voltado a me atormentar. Foram seis meses…seis meses de tratamento jogados no lixo. O que fazer numa situação dessas? Recomeçar.

Mas eu já cometi o equívoco contrário também. Depois de interromper um tratamento por mais de um mês, eu resolvi (muito espertamente) recomeçá-lo já com a dose máxima, sem nenhuma adaptação. Nem preciso dizer o quão errado deu isso. Eu, que não costumo ter efeitos colaterais com remédios além de algumas dores de cabeça, devo ter sentido quase todos os efeitos da bula (ok, isso foi exagero, mas você entendeu). De novo: o que fazer numa situação dessas? Recomeçar.

Sugestão: Toda vez que você pensar em mexer na dosagem da sua medicação, seja para cima ou para baixo, pense no tonto do Yori que fez isso e se ferrou. Se estiver sentindo algum desconforto ou tiver alguma dúvida sobre o tratamento, fale com o seu médico o quanto antes, mas não mexa na dosagem do seu remédio.

06) Não ter me esforçado o suficiente antes para resolver o meu problema em engolir comprimidos.

Eu passei anos acreditando que era a única pessoa no mundo a ter dificuldades com comprimidos. Acredite: todo momento de tomar os remédios eram (e ainda são, apesar do processo ter se tornado mais simples) uma mini sessão de tortura para mim.

Dificuldade em engolir comprimidos é um problema real que atinge muitas pessoas. Se você tiver essa dificuldade, saiba que não está sozinho. Não ouvimos muito isso por aí porque é considerado um obstáculo infantil e o pessoal adulto, maduro e seguro de si tem vergonha de falar sobre. Deixe-me contar uma coisa: eu consegui engolir o meu primeiro comprimido quando já tinha cerca de trinta anos e só fui atingir o objetivo de engolir um sem muitos problemas quando já tinha passado dos quarenta.

Pode parecer bobagem, por ser uma daquelas coisas que as pessoas fazem automaticamente no dia a dia, mas nem se tocam do quão amargurante pode ser ficar com um comprimido na boca, beber um balde inteiro de água e não conseguir engolir a teimosa miniatura de disco voador ou de tijolo. Acho inacreditável o fato de fabricarem comprimidos quadrados, mas enfim. Eu acharia melhor tomar injeções diárias, sinceramente.

Há ainda um ângulo desse problema que não podemos esquecer: cá entre nós, parte da minha quase incapacidade de tomar remédios vem do receio de engasgar ao tentar engolir o comprimido (o que me acontecia sempre). Vendo esse meu problema, minha namorada Viviane me deu uma dica simples que resolveu 90% dos meus problemas nesse sentido. Esse pequeno processo pode ser descrito assim:

(1) Coloque um pouco de água na boca;

(2) Coloque o comprimido o mais fundo na garganta que você conseguir, mas evite tocar o fundo da língua com ele (para evitar o sabor ruim);

(3) Abra o máximo possível o fundo da garganta quando for engolir;

(4) Ao engolir, faça como se estivesse forçando o fundo da garganta para baixo, ao mesmo tempo em que faz o movimento de engolir;

(5) Faça da forma mais relaxada que puder.


Parece muito simples e, provavelmente, seja por isso que funciona. Espero que dessa forma possa ajudá-lo da mesma maneira que me ajudou e que você pare de batalhar contra os comprimidos, tanto os disquinhos quanto os paralelepípedos minúsculos.

A dificuldade de engolir remédios é uma realidade de muitas pessoas.

Sugestão: Converse com o seu médico sobre a sua dificuldade e peça, na medida do possível, para trocar comprimidos por cápsulas, muito mais fáceis de engolir. E tente usar o processo que citei acima, talvez funcione para você.

07) Ao primeiro sinal de melhora, quis começar a fazer várias coisas, sobrecarreguei-me e larguei tudo.

Lembro bem esse momento. Comecei a namorar, inscrevi-me em quatro cursos de uma vez e comecei uma busca por trabalho. Uma euforia que durou menos de três meses e me afundei na sombra de novo. Meu namoro terminou, larguei todos os cursos em que tinha me inscrito (alguns ainda prestes a começar, mas sequer compareci no primeiro dia), abandonei remédios e nunca mais procurei pelo meu psiquiatra; apesar de que dessa parte não me arrependo de todo. A única coisa que continuou fazendo parte da minha rotina foram as minhas idas semanais ao consultório da terapeuta, mas isso logo acabou também.

Na nossa situação, não podemos adiantar as coisas, sabe? Com certeza existem pessoas que conseguem mudar tudo de um dia para o outro e implementar rotinas com grande velocidade. Mas mesmo essas pessoas são exceções em meio ao total que não sofre de depressão. Para nós que convivemos com a sombra é diferente. Tudo é ainda mais custoso e precisamos ter paciência. Como bem dito por Goethe: “É urgente ter paciência”.

Não cometa o mesmo erro que eu. Dê um passo de cada vez.

Sugestão: Recomece aos poucos. É normal a empolgação quando a cabeça começa a se desanuviar e a trabalhar melhor. Ficamos querendo recuperar o tempo perdido e podemos exagerar na dose. Lutar contra a sombra não é tão fácil assim e vencê-la então é algo que pode levar muito tempo. Mas nada impede de você evoluir aos poucos, mesmo que 1% ao dia.

08) Ficar acomodado com a terapia, mesmo sabendo que a profissional não poderia me ajudar em mais nada.

O modus operandi é mais ou menos assim: você paga uma terapeuta e perde tempo e dinheiro com sessões que você sabe que não o ajudam mais, muitas vezes por não saber o que fazer (Será que reclamo com o profissional? Isso não ofenderá a pessoa e acabará destruindo nossa relação de confiança?). Ou então por estar acostumado com a situação e não ter energia para procurar outra pessoa (Caramba, vou ter que procurar outro psicólogo e começar tudo de novo? Falhei).

Nem sempre o problema é nosso ou do terapeuta, mas sim de uma soma de pequenos fatores. Lembra-se da questão sobre confiança e sintonia com o psiquiatra? Caramba, multiplique isso por dez no que diz respeito a um psicólogo. Você pode passar semanas calado nas sessões, simplesmente, por não sentir afinidade com a pessoa e não se dar conta disso. Muitas vezes a sintonia é algo natural, outras nem tanto. Eu já risquei um profissional da minha lista simplesmente por ele me mandar as mensagens mais ríspidas e geladas que você imaginar em resposta às minhas dúvidas. Já a minha atual me deixa, às vezes, até sem graça por tanta consideração e cuidado.

Escolha bem. O maior interessado é você.

Deve haver uma sintonia entre o psiquiatra e o seu paciente.

Sugestão: Está insatisfeito com os rumos da sua terapia? Você e seu terapeuta não conseguem encontrar mais caminhos? Acha que o profissional perdeu o interesse? Você perdeu o interesse? Fale abertamente sobre isso e, se não houver alternativas, vá em busca de outro terapeuta imediatamente. Pare de desperdiçar seu tempo, seu dinheiro e sua energia com algo que não lhe acrescenta mais nada de bom. E não custa dizer de novo: o maior interessado é você.


Eu poderia citar vários outros erros que cometi ao lidar com a depressão no decorrer dos anos, mas para demonstrar um pouco as dificuldades que alguém pode passar com a sombra, creio que o texto alcançou seu objetivo. Talvez poste uma parte II em um futuro próximo.

*

Perguntaram se eu poderia falar sobre o meu tratamento, sobre o que ando fazendo para colocar a minha vida no lugar enquanto lido com a depressão. No próximo texto, tratarei disso, mas quero lembrar que não será de maneira alguma uma sugestão ou um direcionamento, ok? Vou apenas compartilhar algumas experiências. Lembre-se de sempre procurar profissionais da área.

Voltarei em breve.

Autor: Yori R.Santos-Ramos

Acompanhe os relatos anteriores do autor a respeito da sua luta contra a depressão. Acesse os links abaixo.

4 comentários em “Erros ao lidar com a depressão — O peso de uma sombra III”

  1. que texto esclarecedor, digo isso porque quem convive com uma pessoa que está passando por esse problema muitas vezes não entende, eu mesma dou todo suporte para um familiar e às vezes fico pensando onde estou errando, o que está acontecendo! obrigada mais uma vez por compartilhar “suas sombras” e desejo de todo meu coração breve melhora.

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