Não sou psiquiatra, psicólogo ou terapeuta. O texto a seguir não é uma recomendação, confirmação e/ou contestação de coisa alguma. Trata-se apenas de algumas exposições pessoais sobre o tema da depressão e outros correlatos.
Quando falamos em depressão, geralmente, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a de uma pessoa triste, sem energia e apática. Claro que essas características se aplicam (por mais que existam vários níveis de depressão). Mas eu quero comentar sobre três pontos que ainda não são muito comuns de ver as pessoas comentando: a PERDA DE SIGNIFICADO NAS AÇÕES, a DESCONEXÃO (em relação a tudo: pessoas, coisas, lugares, etc) e o INÍCIO QUASE IMPERCEPTÍVEL da coisa toda.
Como a sombra se instala e começa a crescer?
Lentamente, como se não fosse nada, começam a aparecer, aqui e acolá, algumas quebras de rotina. Ações antes comuns passam a se tornar, na falta de um termo melhor, quase optativas. Hábitos enraizados vão se esfarelando aos poucos. E depois, de optativos se tornam supérfluos. Lembrem-se daquele pensamento infantil “pra que limpar se vai sujar de novo”. Tenham isso em mente: as pequenas coisas se quebram primeiro.
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Claro que não posso generalizar, mas tomando a minha experiência como base e lembrando de todos os relatos que já li e ouvi, os pequenos hábitos de higiene pessoal geralmente são os primeiros a se perderem. A pessoa que antes escovava, normalmente, seus dentes três vezes ao dia começa a escovar duas. “Preguiça, já escovei os dentes hoje, tá bom assim”. Em breve, não estará os escovando mais.Banhos antes diários passam a ser tomados a cada dois dias, depois três e por aí vai. Mesmo as roupas e a limpeza da casa não escapam disso.
A perda do significado das coisas
Não ter energia para lutar contra a normalização da preguiça e da procrastinação foram o limiar do abismo para mim. Eu precisei me conscientizar de que cada louça suja que eu enrolava para lavar na pia era um passo em direção à ruína. Cada vez que acordo e demoro a levantar da cama e começar o dia, sei que estou alimentando a Sombra.
Mesmo hoje em dia, com tratamento especializado e medicação, a luta é constante. Para sempre vigilante.
Mas de onde vem essa falta de energia e vontade? No meu caso (e possivelmente no de outras pessoas também) da perda de significado em relação ao que me cerca e a desconexão que isso causa. Essa perda de significado pode ter infinitos gatilhos e apenas uma cuidadosa análise é capaz de avaliar isso.
Pode ser bastante confuso, sabe? Um amálgama de círculo vicioso e bola de neve.
Há um nível da depressão em que tudo perde a importância. Tudo.
A partir de certo ponto a apatia supera a tristeza e eu posso lhe dizer, com toda a propriedade, que, quando as coisas chegam a esse ponto, nem aquilo que desagrada a você importa mais. Simplesmente não se percebe mais significado e a conexão se perde. Todos os elos de tristeza, felicidade e raiva se quebram. É o marco da vitória da Sombra. Uma casca melancólica e apática, é nisso que você se torna.
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Um pouquinho da minha história
Durante uma época relativamente longa, entre o término do segundo grau e o início da faculdade, eu costumava passar muitas horas do dia jogando algo no computador, lendo algum livro ou escrevendo. Eram minhas atividades favoritas. E então uma pequena sombra sentou no meu ombro e fez dele a sua morada. Meus livros aos poucos foram perdendo a graça e, de repente, jogar no computador não era mais tão divertido assim. Os textos que escrevia, antes elaborados e longos, foram diminuindo, até se tornarem um misto de aforismos com algumas listas aleatórias de qualquer coisa (até hoje não perdi o costume de escrever listas).
Os dias foram passando e cada vez mais eu me sentia entediado e cansado do que estava fazendo. Ao mesmo tempo, não tinha energia nem vontade de buscar coisas diferentes. Nesse estado de espírito, já não conseguia ler nem mesmo uma história em quadrinhos. Era tudo tão… sem sentido.
Eu gostaria muito que as pessoas compreendessem que nem tudo é preguiça, nem tudo é má vontade, nem tudo é frescura, nem tudo é falta de Deus (essa última fala é uma das piores). Aproveitando a deixa: por mais que existam evidências de que emular um comportamento possa mudar o humor, não diga “sorria e o mundo te sorrirá de volta”, “levante essa cabeça e vá viver” ou qualquer coisa parecida para alguém deprimido. É exasperador. E inútil.
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Reconectando
Quando ingressei na universidade meu humor e minha cabeça melhoraram um pouco (cá entre nós, nem sei como consegui passar no vestibular). Foram anos complicados e eu não conseguia render nos estudos. Porém, quando todos os meus colegas e amigos começaram a trabalhar enquanto eu não conseguia me qualificar nem mesmo para um estágio, a minha cabeça meio que desabou de novo. Passei mais um tempo indo à universidade, mas depois tive que abandonar definitivamente.
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No fim, tudo culminou comigo passando um dia inteiro sentado na cama olhando para uma parede, parado com olhar estático. Quando vinha a noite, nada mudava. No dia seguinte, ao me ver daquele jeito, a minha avó me chamava com uma voz muito estranha, parecia que falava com alguém doente em uma cama de hospital: “Você precisa de ajuda? Quer alguém pra te ajudar? Vou arrumar alguém pra te ajudar”. Eu poderia ter respondido “tanto faz” ou pior, nem respondido. Mas eu acabei respondendo “pode ser” e provavelmente foi o que me salvou. Eu não sei porque respondi positivamente, mas acho que pode ter sido uma última tentativa inconsciente de aceitar a mão estendida.
Uma conexão havia sido restabelecida. É, acho que foi isso. A pergunta da minha avó e a minha resposta me deram a oportunidade de estar aqui hoje.
Só mais um detalhe: dias ruins existem. Haverá dias em que qualquer pessoa se sentirá sem energia, sem vontade e pulando um banho ou com preguiça de trocar de roupa. Mas eu espero que tenha ficado claro que a depressão é outra coisa… é um desânimo constante, é uma tristeza e melancolia que não passam com uma boa notícia.
Voltarei em breve.
Nota: Seria impossível tratar de cada detalhe a respeito de um assunto tão extenso em um texto tão curto. Mas fiquem tranquilos, eu voltarei a falar sobre a sombra.
Autor: Yori R. Santos-Ramos
obrigada por compartilhar. certamente ajudará alguém. tenho tanto orgulho de vc, és guerreiro, pode acreditar
Obrigado! Espero realmente que seja útil para alguém.
Parabéns!
Bem descrito!
Esperando os próximos!!!
Aguarde e confie!
Um texto muito reflexivo!
Obrigado! Aprofundarei o assunto aos poucos.
Conheço com detalhes todo o conteúdo desse texto.
Fiquei muito emocionada lendo sua narrativa tão real.
É muito importante trazer essa temática tão significativa pra todos Nós. Obrigada!!!!!
Fico contente que tenha apreciado o texto. Eu que agradeço a atenção.