Terapia – O peso de uma sombra VI

Na minha primeira sessão de terapia, eu não fazia a menor ideia de como iria ser. O que eu deveria fazer? O que eu deveria falar? Vão me perguntar sobre a minha vida inteira? Que tipo de coisas eu terei que lembrar? E o principal: o quanto eu vou ter que me expor?

É comum a preocupação com a primeira sessão de terapia.
(Imagem de Freepik)

A terapia pra mim parecia um labirinto intransponível, onde mesmo que houvesse um mapa para atravessá-lo, ele estaria escrito em algum idioma alienígena, um alfabeto formado por símbolos incompreensíveis.

Pra mim foi muito estranho. E continua sendo. Mas como sinto que também é algo estranho para a minha sombra, ou seja, me ajuda pra caramba, eu continuo fazendo.

O primeiro dia de terapia

No meu primeiro dia da terapia, minha mãe e minha avó me acompanharam, pois a psicóloga queria ter uma conversa preliminar com as pessoas mais próximas de mim, pra saber da minha infância, da minha rotina, meus problemas, meu jeito de ser etc. Depois de um certo tempo, elas saíram da sala e então era minha vez.

Fui convidado a entrar em uma sala, bem confortável até, e me sentar em um sofá. Eu não fazia ideia do que fazer ou dizer, era tudo estranho pra mim. A terapeuta sentou de frente pra mim, perguntou como eu estava, quais eram as minhas dificuldades e quis saber também o que eu esperava das sessões. Ah, me perguntou se eu já havia feito antes algum acompanhamento terapêutico – como vocês já sabem, não, nunca havia feito antes. Se você se sentiu um marciano na sua primeira vez com um terapeuta, bom, saiba que você não foi o único.

Nesse primeiro dia, conversamos por cerca de 40 minutos. E por mais que a profissional se mostrasse gentil e interessada, eu não conseguia me livrar da sensação de que nada daquilo fazia sentido. Parecia alguém pago pra conversar comigo sobre algumas amenidades e acabou. “Volte semana que vem”. Hum, ok. Levou um certo tempo pra eu perceber o direcionamento de certos temas, a razão de alguns questionamentos, o motivo do ambiente me incomodar tanto e o ritmo – isso é muito importante – o ritmo das conversas e de como elas evoluíam.

Seu olhos me perturbam

Pra compartilhar um pouco das minhas sessões com vocês: lembro que um dia a minha primeira terapeuta me deu uma folha de papel, um lápis e me pediu pra desenhar aquilo que mais me incomodava nas pessoas. Sem pensar, desenhei um olho. Não lembro se já contei isso, mas olhos me perturbam e olhar nos olhos de alguém é algo que sempre me passa uma sensação digamos…fantasmagórica, na falta de um termo melhor. Às vezes vejo, nitidamente, os olhos das pessoas se esbugalhando enquanto olho pra eles.

"lembro que um dia a minha primeira terapeuta me deu uma folha de papel, um lápis e me pediu pra desenhar aquilo que mais me incomodava nas pessoas. Sem pensar, desenhei um olho."

Descobrir as origens e os motivos que causam esse incômodo e como lidar com ele foram (e continuam sendo) um dos objetivos da minha terapia. Nossa sociedade não aprova quem não olha nos olhos das pessoas, é considerado falta de caráter, sinal de mentira e covardia. Essa é uma percepção que, com certeza, já me atrapalhou e segue atrapalhando todos os campos da minha vida. Lido melhor com esse problema hoje em dia, mas não vejo uma solução definitiva em um futuro próximo.

“É urgente ter paciência”, disse um pensador cujo nome me escapou agora. Continue as sessões. Em cada uma você se perceberá mais aberto à conversa, se sentirá mais à vontade, falando mais, interagindo mais com o terapeuta. Você se tornará um sujeito ativo no seu próprio tratamento e essa sensação é melhor do que um milk-shake de chocolate. Eu sou chocólatra, não repare.

Terapia deve ser uma relação de confiança

Mas uma coisa eu posso dizer: se de cara você não se sentir à vontade com o profissional, não sentir algum nível de confiança pela pessoa, não prossiga o tratamento. Muitas vezes nem é uma questão da competência do profissional, é mais um problema de “santos que não batem”, por assim dizer.

Eu sou uma pessoa muito difícil de lidar. Não gosto de falar de mim mesmo, não sinto necessidade de interagir com outras pessoas, sou mais calado do que falante (mesmo com as pessoas mais próximas) e se houver uma escala de pontuação de introspecção e de chatice, eu marcaria pelo menos 8 de 10 em ambas as medições. Por que eu estou dizendo isso? Apenas pra que você saiba que a terapia me ajudou e continua me ajudando bastante mesmo eu sendo tão difícil de lidar. E se um profissional conseguiu alcançar alguém tão enjoado como eu e me ajudou a conseguir tirar proveito da terapia, é claro que é perfeitamente possível que você consiga o mesmo.

O sucesso de uma terapia está diretamente ligado ao relacionamento e confiança entre o profissional e o paciente.
(Imagem de Freepik)

Não sou psiquiatra, psicólogo ou terapeuta. O texto acima não é uma recomendação, confirmação e/ou contestação de coisa alguma. Trata-se apenas de algumas exposições pessoais sobre o tema da depressão e outros correlatos.


Autor: Yori R. Santos-Ramos


A série “O peso de uma sombra” são as observações do autor sobre sua batalha contra a depressão. Deixe seus comentários, seus relatos e ajude outras pessoas que convivem com esse problema. Leia, também, os demais artigos da série:

Minha experiência com psiquiatras – O peso de uma sombra V

Depressão – O peso de uma sombra I

8 comentários em “Terapia – O peso de uma sombra VI”

  1. Excelente relato. A parte que mais me chamou a atenção foi o incômodo que o olhar pode provocar nas pessoas que possuem determinados transtornos. Na minha vida profissional, lidei com vários alunos assim e eu, na época, não imaginava que fosse assim. Obrigada pelo esclarecimento.

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    • A questão dos olhos é complicada; a maioria (que não sabe de nada) julga como covardia, falta de caráter ou como o estigma do mentiroso, enquanto a minoria (que entende algo sobre o assunto) acha que tudo não passa de frescura. São poucos os que realmente compreendem o problema.

      Obrigado pelo comentário.

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  2. Texto claro, quem escreve demonstra ter realmente conhecimento do assunto, parece que estamos vivenciando o que está sendo comentado. Gostei muito! Acredito que vai sensibilizar quem passa por essa realidade, direta ou indiretamente.

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