Ano novo!
É, eu sei que estou um mês atrasado pra esse tipo de texto. Mas voltando…
Ano novo!
Tempo em que quase todo mundo reflete sobre o ano que passou e traça novas metas e objetivos para os próximos 12 meses. Ou pegar a lista de metas do ano novo passado, trocar a data e tentar mais uma vez realizar o que não foi possível. É tudo clichê eu sei, mas também tudo verdade. Todo ano eu também passo por esse momento de reflexão e escrevo uma lista de coisas pra realizar (sou obcecado por listas) e, apesar de falhar em quase tudo a que me proponho, eu ainda não desisti de fazer algo de útil na minha vida.
Mas dessa vez tem algo diferente na minha lista: a necessidade de lidar com coisas que antes eu não tinha muita consciência sobre sua existência. Problemas, digamos, pesados. E não digo isso pra me vitimizar ou me sentir especial (como já me acusaram por aí); é CHATO pra caramba ter que lidar com tudo isso (se você acha que estou mentindo e que, na verdade, eu me acho “especial” por causa desses problemas, bom, pode ficar com eles pra você; me mande seu endereço que os enviarei num pacote com todo o carinho).
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Além da depressão
Além da depressão (dê uma olhada na minha série “O peso de uma sombra” aqui no Mosaico) eu também lido com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Também tenho problemas relacionados a diabetes e excesso de peso que precisam de cuidado. Com isso em, vim compartilhar a minha lista de objetivos para 2025, mas uma lista um pouco diferente: uma lista neurodivergente acrescida de algumas coisas.
Neurodivergente é aquela pessoa portadora de alguma condição que altera o funcionamento do cérebro, diferenciando-o daquilo que é considerado típico ou normal. Ficou uma explicação meio livresca, mas é isso. Pesquisem sobre Judy Singer, socióloga que cunhou os termos neurodiversidade e neurodivergente.
Pode parecer um trabalho muito específico e fechado para certos nichos, mas eu suspeito que, mesmo pessoas que não tenham (ou pensem que não tem) problemas com os temas relacionados abaixo, vão se identificar com, pelo menos, algumas passagens dessa lista.
Objetivo número 1: Acertar o sono
Começando pelo básico. A qualidade do sono é algo tão importante que em um mundo ideal ela seria inegociável. Cuidar da higiene do sono, do ambiente onde durmo, da quantidade de horas de repouso, tirar um cochilo rápido no meio do dia quando necessário; aperfeiçoar tudo isso é a meta e talvez seja uma das mais importantes dessa lista.
Objetivo número 2: Cuidar melhor do meu ambiente pessoal
Como todo mundo deveria fazer (em especial quem tem TDAH) eu coloquei na minha cabeça que uma casa bagunçada e cheia de pó é algo inadmissível. Bagunça é algo que causa transtornos, aborrecimentos e embaralha o funcionamento normal da mente.
Eu ainda estou me esforçando nesse sentido e busco melhorias pequenas, mas diárias. Infelizmente, por um motivo ou por outro ,eu acabei me acostumando a coisas ridículas como: lavar apenas a louça que vou usar (sendo que a pia está cheia de pratos sujos), a me desviar da montanha de coisas que estão no chão quando entro no quarto, a varrer e tirar o pó apenas dos lugares que os olhos conseguem ver e por aí vai. Ou seja, eu vivo em um ambiente perpétuo de quase caos absoluto… e a minha mente também.
E não vou nem comentar em como isso afeta a saúde como um todo.
Objetivo número 3: Olhar & Toque
Indo direto ao ponto: eu sou autista e muitos autistas têm problemas sérios em olhar nos olhos das outras pessoas e em tocar ou ser tocado por outros.
Além de ser um tipo de intimidade forçada (no caso do toque) e uma avalanche de informações (no caso do olhar), esses são problemas que afetam a minha vida como um todo: sou tido como alguém em quem não se pode confiar, considerado insensível, distante, antissocial… desinteressado e desinteressante.
Infelizmente, o único caminho que posso percorrer pra tentar melhorar essa situação é o da dessensibilização. E como fazer isso? Por enquanto só consegui pensar em dois modos:
01) Obrigar a mim mesmo a falar com as pessoas olhando em seus olhos. Parece fácil, mas o incômodo é gritante depois de alguns segundos. Muitas vezes tenho a impressão de que os olhos estão esbugalhando durante a conversa; é uma distorção visual muito estranha. Também preciso me policiar pra não encarar a pessoa por tempo demais e passar a impressão de ser um psicopata ou de parecer insinuar alguma coisa. Então preciso ignorar o incômodo e ainda cronometrar o tempo que olho pra pessoa e os intervalos entre uma olhada e outra. Cara, é muito trabalhoso pra mim. Canso só de pensar.
02) Sobre tocar as pessoas: no momento, estou me acostumando com coisas muito simples (simples pra você, talvez): cumprimentar apertando as mãos e dar um tapinha no ombro ao me despedir. E não se preocupe, eu não falo com as pessoas cutucando-as como um pica-pau, pois sempre achei isso horrível.
O difícil é me forçar a esse tipo de coisa, mas acho que já estou obtendo alguns resultados. Ainda não chamaram a polícia no meio de uma conversa, então acho que estou indo bem.
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Objetivo número 4: Eliminar principais hábitos ruins destrutivos
Esse é, provavelmente, o item mais particular desta lista. Todos temos características próprias, rotinas, problemas, defeitos e qualidades que são nossos e os hábitos que criamos; de forma consciente ou não, eles são influenciados por todos esses fatores. O hábito ruim que vou citar aqui pode parecer tolice, mas a linha de pensamento que construí para lidar com ele talvez seja útil pra você.
Eu realmente não lembro o motivo, mas prestem atenção nisso: acabei construindo o hábito de levantar todos os dias às seis da manhã, tomar meus remédios e me deitar na sala pra cochilar no sofá (acordando muitas vezes horas depois).
Sono deficiente? Preguiça? Depressão? Sendo o motivo um desses fatores ou a soma de todos eles, eu precisava resolver esse problema.
Eu aprendi (quebrando muito a cara) três coisas que parecem óbvias quando penso nelas agora, mas que nunca haviam me ocorrido antes:
- Eu só consigo eliminar um hábito ruim ao substituí-lo por um bom;
- É muito mais produtivo criar um pequeno hábito e depois aumentar o raio de ação dele do que tentar fazer uma mudança imensa de cara e;
- Não adianta querer mudar tudo de um dia pro outro, isso pra mim simplesmente não funciona. Muito mais produtivo é selecionar no máximo dois ou três hábitos ruins e trabalhar em cima deles antes primeiro e fazer uma melhora calma e decidida.
Então o que eu fiz: após tomar meus remédios, eu parei de ir para a sala – comecei a ir direto para a cozinha. Tomar café, lavar a louça restante, colocar roupa pra lavar na máquina… qualquer coisa útil pra me impedir de jogar a manhã fora deitado no sofá. Mas me limitei a no máximo duas dessas atividades: ir pra cozinha e querer reformá-la toda manhã também não me ajudaria em nada. Hoje já consigo fazer três tarefas toda manhã sem torrar a cabeça pra isso, ou seja, se tornaram um hábito. E sigo na intenção de todo dia melhorar as coisas um pouquinho que seja.
“É urgente ter paciência”, diz um pensador cujo nome infelizmente me escapou agora.
É preciso constância.
Leia mais:
Conheça toda a minha série: O Peso de uma Sombra.
Objetivo número 5: Atenção com a diabetes
Cuidar da diabetes (a tipo 2, no meu caso) é algo que envolve tantos assuntos diferentes que seria melhor escrever um texto a parte, mas não pretendo fazer nada fora do comum pra mim (além de manter a disciplina). Cuidar da alimentação, tomar a medicação corretamente, beber água na quantidade apropriada, fazer exercícios físicos, evitar o estresse (ha ha ha) e por aí vai. A diabetes é uma doença silenciosa cujos sintomas você começa a sentir quando tudo já está indo por água abaixo e então é preciso uma atenção séria. Esse é outro item que realmente penso valer um artigo próprio.
Objetivo número 6: Acabar com o excesso de estímulos
Você é daquelas criaturas escolhidas por Deus que jogam xadrez, escutam música e escrevem, tudo ao mesmo tempo? Assistem a um filme enquanto jogam no celular e conversam com um amigo? Tem 4536272 abas abertas no navegador da internet e assiste a “trocentos” vídeos a prestação, cinco minutos de um, 4 minutos de outro? Faz tudo isso aí ao mesmo tempo? Bem-vindo ao clube de quem se foca em tudo, 1 minuto de cada vez.
Pra mim, que tenho TDAH, isso é a perdição.
É preciso desacelerar, é preciso diminuir drasticamente a quantidade de atividades, é preciso parar com essa maluquice de querer fazer milhares de coisas juntas e de querer fazer tudo ao mesmo tempo, é preciso diminuir a quantidade de tempo navegando na internet. Enfim, eu preciso desacelerar e selecionar melhor o que dedicar a minha atenção.
Objetivo número 7: Recuperação cognitiva
Quando iniciei o meu tratamento psiquiátrico, uma das minhas principais queixas era sobre o meu estado mental. Eu me sentia estúpido, me sentia burro. Não conseguir fazer uma conta simples de cabeça, sofrer pra ler uma página de livro e pra escrever um parágrafo era demais pra mim. Então fiz diversos exames (exame de sangue, avaliação neuropsicológica, polissonografia).
Resultado da minha avaliação psiquiátrica e neuropsicológica: anos de depressão e de problemas relacionados ao sono comprometeram seriamente a minha capacidade cognitiva e intelectual. E eu sinto isso todos os dias.
Nunca fui particularmente inteligente, mas a minha memória nunca esteve tão ruim e nem meu raciocínio tão lento. Recebi diversas sugestões e indicações de profissionais e de atividades que posso fazer para me auxiliar na minha recuperação e começarei a colocar em prática. Talvez eu faça um artigo sobre isso em um futuro próximo.
Objetivo número 8: Problemas com Empatia
Eu tinha escrito um longo texto pra esse item, mas acabou se alongando tanto que vou resolvi incluí-lo na minha série de textos sobre autismo que logo vai começar. Então peço um pouco de paciência.
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Objetivo número 9: Cuidado com manias e pequenos rituais
No filme “Melhor é Impossível”, Jack Nicholson interpreta um escritor mal-humorado (Melvin Udall) que vive uma rotina recheada de ações estranhas e aparentemente sem sentido: lava as mãos com água quentíssima e troca de sabonete a cada 10 segundos (ele possui vários em seu armário no banheiro); precisa acender e apagar as luzes do cômodo em que vai entrar um número específico de vezes; não pisa em rachaduras no chão ao caminhar pelas ruas; sempre toma seu café da manhã no mesmo estabelecimento, na mesma hora, e só aceita ser atendido pela mesma garçonete (e pede sempre o mesmo prato, além de levar seus próprios talheres descartáveis).
Melvin Udall, o escritor enfezado, sofre do chamado transtorno obsessivo-compulsivo – o TOC. Ele PRECISA realizar certos rituais incompreensíveis aos olhos dos outros em seu dia a dia e sofre com pensamentos intrusivos (por exemplo: “diga que aquela pessoa é maluca e idiota por pensar tal coisa” – então ele diz). Não há muito o que ele possa fazer pra evitar esse tipo de atitude. E eu, sortudo que sou, tenho que lidar com esses mesmos problemas. Pelo menos eu tive a sorte de não ter o transtorno tão forte quanto Melvin, mas isso não significa que ele não seja um incômodo constante.
Vou dar alguns exemplos:
01) Eu tenho a mania de lavar as mãos várias vezes por dia, embora não tenho necessidade de ter a água escaldante e de ter um suprimento faraônico de sabonetes à mão.
02) Ao lavar a louça, eu PRECISO organizar copos, pratos, talheres e panelas em uma ordem específica no escorredor; cores, materiais, tamanhos, posições; tudo PRECISA estar na ordem correta ou eu não consigo fazer o serviço.
03) Levantar durante a madrugada pra abrir e trancar a porta exatamente seis vezes. Fazer isso mais ou menos quatro ou cinco vezes por noite. Por quê? Não sei. É um pensamento que não me deixa relaxar enquanto não vou conferir o raio da fechadura.
04) Ter um impulso irresistível de arrumar as mercadorias no mercado. Eu sei que muita gente também fica arrumando a caixa de leite que está do lado errado, remover as maçãs misturadas com as laranjas, produtos nas prateleiras erradas etc, mas o caso é que eu PRECISO me segurar pra não arrumar o mercado inteiro e não arrumar problema com os funcionários.
E por aí vai.
Um detalhe:
Não conseguir fazer as coisas do jeito que o meu tio TOC exige me causa estresse, mau humor e cansaço mental. Eu sinto que falhei comigo mesmo. E ainda mais uma coisa: misture o item 2 com o 5 e imagine a escaramuça que pode ser a minha mente com a necessidade de ter tudo arrumado, limpo e organizado e não conseguir fazer quase nada isso.
Eu poderia ter determinado mais objetivos, mas acho nove um bom número (que na prática acabaram sendo oito). Já é coisa pra caramba pra fazer e prestar atenção, convenhamos. Em julho escreverei um artigo pra compartilhar sobre as melhorias que eu tenha alcançado.
Por enquanto é isso. Espero que o texto tenha sido útil de alguma maneira. E não esqueçam: em breve começarei as séries sobre autismo, TDAH e TOC.
Autor: Yori R. Santos-Ramos
Não sou psiquiatra, psicólogo ou terapeuta. O texto acima não é uma recomendação, confirmação e/ou contestação de coisa alguma. Trata-se apenas de algumas exposições pessoais sobre o tema da depressão e outros correlatos.