Venha ver o pôr do sol e outros contos 

  A obra Venha ver o pôr do sol e outros contos, coleção de Lygia Fagundes Telles, publicado pela Ática, apresenta uma série de narrativas de tirar o chapéu e o fôlego também. São oito contos escritos de forma singular e, em cada parágrafo, é uma caixinha de surpresa. Fantasia,  sonho, medo, tristeza, indignação…tudo isso se mistura ao final de cada parágrafo, ao ato de virar cada página.

   A autora descreve, com maestria, o comportamento humano nessa sociedade misteriosa e caótica em que vivemos. A obra apresenta uma narrativa que , ao final, deixa o leitor em dúvida se realmente os fatos foram reais ou apenas foram frutos da imaginação dos personagens ou da nossa própria.

   Ao término da leitura de Venha ver o pôr do sol e outros contos sempre me pergunto (Sim, já li muitas vezes!)  o que eu faria se estivesse no lugar de Miguel, sem me lembrar com quem iria me casar? Faria a lista dos pretendentes para me  lembrar de alguém em especial? E da Raquel? Nem quero me  imaginar naquela situação.  Dificilmente, acredito eu, você não faria perguntas similares às minhas em alguns desses contos. Sim, colocar-se no lugar de outra pessoa é bem difícil, não é mesmo? Falar é fácil, como todos sabem, mas sentir na pele o que o futuro nos reserva, sem aviso prévio, é bem diferente. Associo cada conto a uma só palavra:

  • O noivo: Tensão
  • Natal na barca: Fé 
  • Venha ver o pôr do sol: Vingança
  • As formigas: Sobrenatural
  • O jardim selvagem: Mistério
  • Biruta: Amor
  • Antes do baile verde: Culpa
  • O menino: Adultério

O noivo

  Aqui há uma gostosa mistura de dúvida, pânico, esperança e boas pitadas de cômico:

 – Acho que será o primeiro noivo a se casar sem tomar banho. Uma nota original, não há dúvida.

   – Nesse casamento tem outras notas mais originais ainda…” , já que ele não  lembrava quem era a noiva, sua futura esposa. Lembrou-se de tantas, mas a principal ficou no esquecimento, um verdadeiro bloqueio mental.

Natal na barca

   O que dizer sobre “Natal na barca”? Simplesmente envolvente de corpo e alma. Quando se lê um conto dessa natureza, todo detalhe é importante. A leitura precisa ser cuidadosa , pois a simbologia é forte: o verde, a  época de  Natal, o sonho, o silêncio e a treva, o frio e o quente…Um conto simplesmente mágico, digno de uma “imortal” da Academia Brasileira de Letras.

   Na barca, a travessia do rio marca o narrador-personagem de tal forma que, ao final da viagem, ela torna-se outra pessoa, com um olhar diferenciado para a vida.

“Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.”

   O que de fato significam o verde e o quente? O que acontece durante a trajetória da barca para aquela mulher, aparentemente tão descrente, ter fé?

Venha ver o pôr do sol

   Um com desfecho inimaginável que leva o nome da coletânea: Venha ver o pôr do sol. No início da história, o último encontro de um casal de ex-namorados: Raquel e Ricardo. Uma ida a um cemitério abandonado, com um propósito inocente, em um ambiente tão tranquilo que até crianças brincavam ao longe. O último encontro para ver o pôr do sol mais belo do mundo. Mergulhe nessa história!

As formigas

   Respire fundo e corra! Em “As formigas”, a vontade é essa: sair correndo daquele velho casebre sinistro cuja dona provoca uma sensação idêntica. Você ficaria em uma pensão se testemunhasse  fatos misteriosos durante todas as  noites? E se embaixo da sua cama tivesse uma caixa de ossos de um ser humano, sem faltar nenhum ossinho? Se eu contar mais, perderá a chance de vivenciar essa aventura!

O jardim selvagem

   O que se entende quando uma pessoa lhe diz que a  própria esposa é um jardim selvagem? Uma mulher que vive em contato com a natureza? Que tem gostos exóticos?   

   Nesse conto, no princípio,  tudo parecia  normal, até chegar a notícia do casamento do querido irmão com uma bela jovem, mas sequer notificou a família. Durante a narrativa, fatos incomuns para todos, principalmente para tia Pombinha, estraçalham a rotina dos envolvidos. Por que a  arma? Por que a luva? Selvagem porque?

Biruta

   Prepare-se: Biruta faz chorar. Uma história comovente que conta a vida do pequeno órfão Alonso e de seu cão Biruta, amigo inseparável. Ambos sofrem pelas dificuldades e humilhações da vida; sofrem pela rejeição e pelo esquecimento da sociedade. Ler Biruta significa atentar para o fato de que todos os seres vivos necessitam de carinho, de atenção e de respeito.

Antes do baile verde

    Antes do baile verde apresenta uma versão de culpa vivenciada por uma filha que vai a um baile de carnaval, mesmo com o seu pai nos últimos momentos de vida. O comportamento humano é impressionante quanto à arte de se auto enganar.

“- Parece que ouvi um gemido.

Ela baixou o olhar.

– Foi na rua.”

  O baixar o olhar demonstra esse sentimento de culpa da filha Tatisa.  Ao mesmo tempo que pensa em ficar em casa e cuidar do pai, em seus últimos suspiros, também tenta convencer a empregada a ficar em seu lugar. 

O menino

  E o desfecho da coletânea ficou para O menino. Nessa narrativa, a dúvida do filho em contar ou não ao pai a cena vista é cruel. Uma história de ficar com o coração apertado por imaginar a situação do filho, que tanto admirava a mãe. O que fazer? Contar ao pai o que vira para não vê-lo enganado? Calar-se? 

   Como é difícil imaginar a nossa reação diante dos problemas que surgem à nossa frente. Note que, em momento algum, a autora julga os comportamentos de seus personagens, mas nos sentimos direcionados a  refletir sobre as nossas atitudes em relação a cada situação narrada. Tudo é possível acontecer com qualquer um de nós, até os momentos mais misteriosos da vida. A nossa mente é também uma caixinha de surpresas e não sabemos da certeza das nossas reações. Aprecie a obra Venha ver o pôr do sol e outros contos e encante-se com a narrativa da Lygia Fagundes Telles.   

A obra está disponível na Amazon.

Autora: Ana Paula Ramos 

4 comentários em “Venha ver o pôr do sol e outros contos ”

  1. Essa obra é uma pérola!

    Eu gosto do livro inteiro. Recomendo “Venha ver o pôr-do-sol”, o meu favorito da obra. Quando o li a primeira vez lembrei muito de um conto de Edgar Allan Poe, “O Barril de Amontillado”.

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